terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O Autor | Jaime Crespo | Também Escrevo





O meu nome é Jaime Crespo, tenho 54
anos e sou um modesto professor primário
Sou casado e tenho uma filha e um
cão.
Nasci na pequena vila do alto
Alentejo, Tolosa, no concelho de Nisa, distrito de Portalegre.
Filho de um modesto funcionário
público e de uma doméstica. Tenho uma irmã mais velha
Da infância guardo três
acontecimentos marcantes: um conselho, a doença e a educação.
Quando criança, um militar vagamente
familiar, o tenente Valdez ou Maltez, algo assim, após ouvir duas ou três
facécias minhas na escola primária, disse-me:
“- Rapaz, tu és esperto. Mas a escola
e a vida são como a tropa. Não te atrevas a ser o melhor e livra-te de seres o
pior. Fica-te pelo meio, esses estão sempre descansados, os outros, sempre a
ser chamados à liça.”
E, toda a minha vida, tenho procurado
a discrição dos medianos, mas da mediania não tenho obtido a proclamada doçura,
para mim, apenas amargura.
Sempre fora uma criança alegre e
saudável, mas a partir dos 3 ou 4 anos, comecei a adoecer com frequência
anómala.
Foram a asma, o sarampo, a tosse
convulsa, a varicela… uma encefalite aguda que me levou ao internamento na ala
de infetocontagiosos, do Curry Cabral. Eu, menino, completamente sozinho,
afastado da família, numa cama de hospital.
A minha mãe encontrou maneira de me
ver, através da janela do quarto, Por vezes batia levemente no vidro para que
eu olhasse e a visse também.
Assim, tão novo, comecei a curtir a
solidão.
Nasci no seio de um país católico
apostólico romano, no qual Fátima era a única esperança servida a um povo,
pobre, inculto e desesperado.
Já não estudei pela cartilha única,
com Salazar a cadeira já tinha cumprido o seu dever, Caetano tinha chamado
Hermano Saraiva e Veiga Simão que começaram a reformar a educação. Apesar de
tudo ainda tive que aprender o catecismo.
E num país católico, a minha família
também o era, devotamente.
Hoje, afirmo-me esclarecidamente
ateu, mas há um véu católico que ainda tolda o meu discernimento.
Da pequena vila alentejana saí com 26
anos, diretamente para a metrópole cosmopolita de Macau. Pensava ser maturo e
saber tudo. Mas não era nada disso, era jovem e que jovem era, tímido e
ingénuo, rude, como eu só.
E de uma noite para o dia tive que me
fazer homem, entre o mais sórdido que a humanidade é capaz. Uma humanidade que
na barbárie, civilizou-se, agora, na civilização cai constantemente na
barbárie.
São 27 anos de afastamento da minha
aldeia, mais que o tempo que lá vivi. Lá, regresso esporadicamente.
O resto, o que sou agora, foi a vida
que fez, mas continuo o mesmo rapazola, tímido, ingénuo e rude como sempre.
Posso parecer exuberante, excêntrico,
até, mas não passam de camuflagens à minha timidez e ingenuidade.
Apesar deste afastamento temporal e
físico à aldeia, tudo o que escrevo ainda anda à volta dela pois a janela pela
qual vejo o mundo ainda são aqueles olhos grandes e deslumbrados de menino que
eu lá deixei.

Aqui chegado, solicito as vossas
desculpas, esta alocução está a parecer-se às mais lamechas novelas de Camilo,
enfim, poderíamos prefaciar ou apelidar este texto como “amigo, apoia-me que eu
sou um coitadinho”.
Este tom, não era minha intenção, as
palavras foram saindo e dando tom ao texto.
Falemos então do livro que agora
apresento.
Desde que me conheço, ainda antes da
escola e do saber ler e escrever que me recordo com um lápis e papel a
rabiscar, primeiro, a escrever depois.
No meu percurso escolar, da escola
primária, ciclo de Nisa, escola industrial e magistério primário de Portalegre,
acabando na Universidade de Macau, sempre tive professores a dizerem-me “tu
escreves bem, dedica-te a isso que vais ver vais fazer vida disso”.
Fazer vida. Foi isso mesmo que tive
que fazer, casado e com uma filha fiquei ainda mais agarrado ao ensino que
antes.
Trabalhar, trabalhar, trabalhar…
Depois também as mudanças de residência
e de escola. De tal maneira que só voltei a lembrar-me da escrita, mais a
sério, depois dos 50 anos e de a memória me começar a faltar. E também a vida
conhecer agora mais estabilidade.
Pensei “ou é agora ou já não é”.
Então peguei nalguns textos que já
tinha escrito, trabalhei-os, escrevi outros de novo e assim cheguei a esta
compilação que hoje vos apresento: Texturas Diversas.
Não é o livro que eu queria, é apenas
o livro possível.
Certo de que cometi mais erros que
acertos e as dúvidas são bem superiores às certezas, com a agravante de nunca,
ou quase, encontrar uma certeza para alguma das minhas dúvidas.
De certa maneira, todos desejamos
transcender-nos. E não fora esse sentimento, não havia evolução. No entanto,
antes de evoluirmos, a cada centímetro dessa evolução, correspondem quilómetros
de insucessos e de erros.
Por detrás de cada sucesso há uma
enormidade de fracassos a suportá-lo.
Dizem os ingleses “todos apreciam a
beleza do cisne deslizando sobre as águas, mas ninguém vê a fealdade das
patitas a mexer sob as águas”.
Peço-vos que vejam neste livro uma
metáfora do cisne invertido, aqui vão ver as feias patas e terão que imaginar a
beleza do cisne.
“Nem tanto à terra, nem tanto ao
mar”. Julgo que este meu livro se afere pela bitola da mediania.
É claramente a obra de um
principiante em busca da sua voz própria, daí a heterogeneidade de temas
abordados e a variação nos tipos e níveis de linguagem utilizados.
O que o livro poderá perder em
consistência, ganha-o em diversidade.
Poderia ser, mas não é, uma autoajuda
para vencer a depressão. Mas foi placebo na minha luta sem tréguas contra a
minha depressão.
Alegremo-nos com outro provérbio,
este chinês: “não acrescentes pernas à serpente”.
Querem eles dizer com isto que há
pessoas demasiado perfeccionistas, de tal modo que acabam por estragar a sua
obra.
E canta Sérgio Godinho “A vida-a é
feita de pequenos nadas”
Para que isso não me aconteça, vou
ficar por aqui e calar-me, deixando com todo o gosto e prazer, o livro ao vosso
critério.
Agora o tempo do autor passou,
estamos já no tempo do leitor. É com prazer que cedo o meu protagonismo a todos
vós: leitores.
Ao fim e ao cabo, o veredicto final
sobre qualquer obra cabe sempre aos leitores.
Aguardo com humildade, o vosso.

Sem comentários:

Enviar um comentário